Revista Exame – 10 / 11 / 2016
Por Naiara Bertão
Donos de empresas em crise têm entregado o comando de suas companhias a especialistas em reestruturar negócios. Em alguns casos, essa é a única saída.
A fabricante de produtos de limpeza Bombril terminou 2015 como tantas outras empresas no Brasil, contando os centavos. Com a recessão, as vendas caíram, a operação deu prejuízo e faltou dinheiro para pagar os credores. Sem receber há mais de seis meses, alguns de seus fornecedores pararam de entregar insumos e, com isso, a produção de certas fábricas teve de ser paralisada.
Se nada mudasse, seus donos, a família Sampaio Ferreira, sabiam que a Bombril poderia pedir recuperação judicial - um processo penoso que eles já haviam enfrentado entre 2003 e 2006 e queriam evitar a todo custo. Dessa vez, a família decidiu tentar algo novo e radical: entregar o comando do negócio a uma consultoria especializada em reestruturar companhias em dificuldade que teria carta branca para mudar o que quisesse, dos produtos aos funcionários.
Foi o que a RK Partners começou a fazer poucos dias antes do Natal. No início de 2016, o presidente, quase todos os diretores e 60% dos gerentes foram demitidos. Além disso, o total de produtos fabricados caiu 35% (só ficaram no catálogo os que tinham alta rentabilidade), a verba de marketing foi reduzida de 4% para 1% do faturamento e contratos foram renegociados. “Em menos de um mês, apresentamos um novo cronograma de pagamento aos fornecedores. Cerca de 90% deles aceitaram e retomaram o abastecimento”, diz Luiz Gustavo da Silva, ex-diretor da RK que foi indicado como presidente da Bombril.
Os resultados já melhoraram: no primeiro semestre, a empresa lucrou 46 milhões de reais. A Bombril faturou 1 bilhão de reais no ano passado. Para sobreviver em meio à pior recessão do país, as empresas sabem que precisam cortar custos, renegociar dívidas e ser mais produtivas.
“É necessário adotar medidas duras, como fechar fábricas e demitir, que muitos executivos e empresários não estão preparados para encarar ou simplesmente não querem fazer”, diz Marcelo Gomes, diretor executivo para a América Latina da consultoria de reestruturação Alvarez & Marsal. A saída, então, é partir para as consultorias: se não funcionar, sempre dá para jogar a culpa no consultor.
Fase crítica
As empresas entram em crise por várias razões - problemas na sucessão, erros estratégicos, mudanças econômicas, chegada de concorrentes. Mas as que resolvem entregar a gestão a uma consultoria especializada geralmente estão numa fase crítica, quando não conseguem pagar fornecedores, bancos e até mesmo funcionários. Hoje, há mais empresas nessa situação. Segundo um levantamento do Centro de Estudos do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais, que analisou 605 companhias abertas e fechadas, metade delas não gera caixa suficiente para pagar os juros de suas dívidas.
Quando a reestruturação termina, a consultoria sai da empresa, mas o executivo que comandou as mudanças pode continuar. Como esse modelo é novo no Brasil, há poucas reestruturações concluídas e nenhum estudo sobre o tema, e isso torna difícil dizer se as consultorias especializadas conseguem, de fato, tirar um grande número de companhias do buraco.
Um exemplo bem-sucedido é o da fabricante de pneus de bicicletas e motocicletas Levorin. Depois de passar um ano e meio à frente da Levorin, André Pimentel, sócio da consultoria Performa Partners, conseguiu aumentar quatro vezes a geração de caixa e intermediar a venda da empresa para a francesa Michelin, anunciada em agosto deste ano.
Um caso dramático é o da fabricante de calçados Vulcabrás. A reestruturação, que começou em 2013, foi conduzida pela consultoria Galeazzi. Depois de três anos de prejuízos, a Vulcabrás deu lucro no primeiro semestre deste ano, mas sua operação é uma fração do que já foi no passado: 23 das 25 fábricas foram fechadas e 22.000 funcionários foram demitidos.
Um teste importante desse modelo deve acontecer nos próximos meses. A mineradora MMX Sudeste, que fazia parte do grupo do empresário Eike Batista, acaba de vender parte de suas minas para o fundo Mubadala e para a Trafigura, empresa especializada em transportar e negociar commodities. A venda faz parte do plano de recuperação judicial, que é coordenado pela consultoria RK desde 2014. A operação está paralisada desde então. Dos quase 2.000 empregados, restaram apenas 40, que cuidam da manutenção e da segurança das minas. “Com o plano concluído, a empresa, mais enxuta, poderá voltar a funcionar”, afirma Ricardo Werneck, presidente da MMX, que foi indicado pela RK. Um início modesto nunca esteve nos planos de Eike, mas, na situação atual, ter condições de produzir já é uma vitória.